judiciário

Supremo afasta juiz de MT por esquema de sentenças

Ivan Amarante, que atuava no município mato-grossense de Vila Rica, estava fora das funções desde 2024 por determinação do Conselho Nacional de Justiça. Ele negociaria decisões com Roberto Zampieri, cuja execução em 2023 trouxe a estrutura à tona

Juiz Ivan Amarante, que seria integrante do esquema de venda de sentenças em Mato Grosso -  (crédito: Reprodução/TV Justiça)
Juiz Ivan Amarante, que seria integrante do esquema de venda de sentenças em Mato Grosso - (crédito: Reprodução/TV Justiça)

O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, ontem, o afastamento do juiz Ivan Lúcio Amarante, da 2ª Vara da Comarca de Vila Rica (MT), no âmbito da oitava fase da Operação Sisamnes, deflagrada na quarta-feira pela Polícia Federal (PF). Além da suspensão do magistrado das funções, foram bloqueados bens e contas bancárias de pessoas ligadas ao magistrado mato-grossense até o limite de R$ 30 milhões.

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Amarante é apontado como um dos beneficiários de pagamentos ilícitos intermediados pelo advogado Roberto Zampieri, figura central nas investigações e conhecido nos bastidores como o "lobista dos tribunais". A atuação do juiz teria se dado por meio da aceitação de vantagens indevidas em troca de favorecimentos em processos sob sua responsabilidade. Os desembargadores Sebastião Moraes Filho e João Ferreira Filho, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT), já haviam sido afastados anteriormente também por conta da suspeita de estarem envolvidos no esquema montado por Zampieri.

Ex-capitão da Polícia Militar de São Paulo, Amarante ingressou na corporação em 1990 e permaneceu até 2012, ano em que foi nomeado juiz em Mato Grosso. Graduado em direito pela Universidade de Sorocaba, tem especializações em processo penal e segurança pública pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Amarante atuou nas comarcas de São Félix do Araguaia (MT) e, mais recentemente, estava lotado em Vila Rica, município de aproximadamente 20 mil habitantes a mais de 1.300km de Cuiabá.

Desde outubro de 2024, o magistrado estava afastado das funções pelo Conselho Nacional de Justiça, medida renovada na última terça-feira, horas antes de ser desfechada a oitava fase da Operação Sisamnes. O CNJ abriu um processo para investigar Amarante no âmbito istrativo disciplinar, que pode culminar na aposentadoria compulsória — afastamento definitivo da carreira, mas com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

O CNJ constatou que havia uma "proximidade incomum, atendimento pelas vias não convencionais e indevida ingerência de advogado [Zampieri] na atividade jurisdicional do magistrado". Segundo o Conselho, "com frequência, Zampieri pautava a conduta do juiz, indicando os pedidos que deveriam ser ou não acolhidos e as teses jurídicas que deveriam ser por ele adotadas".

"O contexto dos diálogos, a frequência das interações e os termos utilizados deram corpo a um panorama abrangente de efetiva influência do causídico na atividade jurisdicional do magistrado, muito possivelmente, em razão do pagamento de vantagens indevidas para a prolação de decisões judiciais", apontou o ministro Mauro Campbell Marques, corregedor nacional do Judiciário, ao defender a renovação do afastamento de Amarante. A determinação do STF reforça o afastamento do juiz.

Em sua defesa prévia ao CNJ, o magistrado mato-grossense negou interferências do advogado em suas decisões e alegou que não há provas de que tenha recebido propina. Também afirmou que não foi identificada nenhuma movimentação financeira direta com Zampieri.

Conversas

Diálogos entre Amarante e o advogado foram determinantes para o afastamento do magistrado. Nas decisões, tanto Zanin, quanto Campbell destacam as mensagens trocadas, que indicam uma relação muito próxima. Inclusive, o magistrado mato-grossense é visto como "subserviente" ao lobista.

As mensagens foram descobertas por acaso, depois que Zampieri foi assassinado a tiros na porta do escritório de advocacia que tinha em Cuiabá, em dezembro de 2023. O celular do "lobista dos tribunais" foi deixado na cena do crime. Em busca de pistas sobre o homicídio, a Polícia Civil encontrou diálogos sobre a venda de decisões e sentenças — que atingiram desembargadores do TJ-MT e gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

São muitas as mensagens que a Operação Sisamnes recuperou do celular de Zampieri. A um interlocutor, em junho de 2022, o advogado ofereceu: "Se você precisar de algo com o Dr. Ivan, lá de Vila Rica, me fala. Ele é muito meu amigo, amigo mesmo. E resolve."

Em uma ocasião, em agosto de 2023, o juiz aconselhou Zampieri. Eles combinaram estratégias sobre processos. "Dá uma olhadinha com os assessores do senhor, se encontra uma outra saída além dessa que minha assessoria encontrou", sugeriu Amarante.

A submissão do juiz ao lobista ficou expressa em várias comunicações, segundo os investigadores. "Vou ver se resolvo isso aí ainda hoje", reporta o magistrado, em outro diálogo.

Em uma conversa de outubro de 2023, Amarante orienta Zampieri a burlar as diretrizes ordinárias de distribuição de petições para que ele próprio pudesse analisar e atender aos pedidos do advogado, negados anteriormente por um juiz plantonista. "O resto deixa comigo, kkkk".

Em seguida, Amarante encaminha a decisão, nos termos combinados. E ironiza: "Já determinei que ele mesmo reconsidere deferindo tudo, Dr!!!!....kkkkkk Tá na mão!!!".

Um diálogo específico chamou a atenção dos investigadores. O juiz insiste em encontrar o advogado e diz que está "ansioso" e "em apuros". Os investigadores desconfiam que as conversas trataram da entrega de propinas.

"ando para avisar que não vou ter como viajar até entregar a minuta do contrato para que a pessoa possa analisar", escreveu Amarante.

Zampieri pediu para "segurar esse compromisso para segunda-feira". "Hoje estou tentando desde o meio-dia organizar isso e não estou conseguindo." (Com Agência Estado)

I sobre grupos paramilitares 

Depois da descoberta de um grupo paramilitar, em Mato Grosso, que oferecia seus serviços para o assassinato de autoridades, a deputada Talíria Petrone (PSol-RJ) anunciou que pretende protocolar um pedido para a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (I) na Câmara para investigar o avanço desses grupos no país. A quadrilha, autodenominada "Comando C4 — Comando de Caça Comunistas, Corruptos e Criminosos", é responsável pelo assassinato de Zampieri.

A deputada considera que o perigo representado por grupos paramilitares atingiu um ponto que exige uma investigação parlamentar aprofundada, argumentando que não se trata de crime comum, mas de perseguição armada a agentes políticos. Segundo Talíria, o objetivo da I é identificar e desmantelar as redes de financiamento e apoio político aos paramilitares.

"Não se trata de crime comum. Não é coincidência o nome de Comando de Caça aos Comunistas. É crime político! É atentado contra a ordem democrática e perseguição armada a agentes políticos. O Congresso precisa se dedicar a investigar isso. É um dos principais interessados", disse Talíria ao Correio.

Para a parlamentar, a I é fundamental para defender o Congresso e a democracia. Disse, ainda, confiar que os resultados obtidos pela Polícia Federal (PF) na Operação Sisamnes impulsionarão a investigação legislativa. Talíria garante que tem o apoio de outros deputados e que "muita gente entrou em contato" felicitando-a pela iniciativa. Nas próximas semanas, irá atrás das 171 s necessárias para o requerimento da comissão.

O "Comando C4" — cujo nome faz referência ao Comando de Caça aos Comunistas, organização paramilitar que perseguiu opositores da ditadura militar — foi desbaratado como consequência das investigações do assassinato de Roberto Zampieri, em Cuiabá, em 2023. Nos documentos encontrados com os radicais, havia uma tabela de preços que oferecia os serviços de espionagem e assassinato de autoridades — a morte de um ministro custaria R$ 250. Entre possíveis alvos, estavam o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi

 

 

postado em 30/05/2025 03:55
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