
Um mundo 1,5ºC mais quente do que a era pré-industrial condenará as camadas congeladas polares que, juntas, armazenam gelo suficiente para aumentar o nível do mar em 65m. Esse é o limite de aquecimento perseguido pelo Acordo de Paris e nem mesmo a marca, observa um estudo da Universidade de Durham, no Reino Unido, salvará o manto branco da Groenlândia e da Antártida. Para os pesquisadores, os esforços deveriam se concentrar em uma elevação de temperatura mais próxima de 1ºC no fim do século.
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A massa derretida nos polos quadruplicou desde a década de 1990, e atualmente eles perdem cerca de 370 bilhões de toneladas de gelo por ano. Isso sob um clima 1,2 C mais quente, comparado ao século 19, segundo o último relatório do Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Os pesquisadores, que revisaram diversas evidências de estudos realizados nos extremos do planeta e com base em modelagem, argumentam que chegar a 1,5ºC poderá elevar o nível do mar em dezenas de metros nos próximos séculos. Portanto, para eles, a meta do Acordo de Paris, tema da Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP) em Belém (PA), precisa ser mais ambiciosa.
Migração
Aumentos de até 65m nos oceanos tornariam mais difícil e custoso adaptar-se à elevação do nível do mar. As consequências, segundo os autores do estudo, publicado na revista Communications Earth & Environment, serão grandes perdas e danos às populações costeiras — o que inclui o Brasil — e insulares, com previsão de migração forçada de centenas de milhões de pessoas.
“Os formuladores de políticas e os governos precisam estar mais cientes dos efeitos que um aumento de 1,5°C na temperatura poderia ter sobre as camadas de gelo e o nível do mar”, alerta o autor principal, Chris Stokes, do Departamento de Geografia da Universidade de Durham. Hoje, cerca de 230 milhões de pessoas vivem a menos de 1m do mar, e o derretimento do gelo representa uma ameaça para essas comunidades.
Os autores da pesquisa afirmam que, para evitar esse cenário, a temperatura média global teria de ficar mais baixa do que a atual — os recordes de calor vêm sendo quebrados sucessivamente desde 2024. O ideal, segundo os cientistas, seria limitar o aumento em 1ºC ou até menos. “Mais trabalho é urgentemente necessário para determinar com mais precisão uma meta de temperatura segura para evitar o rápido aumento do nível do mar devido ao derretimento das camadas de gelo”, escreveram, no artigo.
"Há um crescente conjunto de evidências de que 1,5°C é muito alto para as camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida”, destaca Stokes, professor do Departamento de Geografia da Universidade de Durham. "Limitar o aquecimento a 1,5°C seria uma grande conquista e esse deve ser, sem dúvida, o nosso foco."
Acelerada
Stokes observa que, mesmo que essa meta seja atingida ou apenas temporariamente ultraada, é preciso estar ciente de que a elevação do nível do mar, provavelmente, será muito acelerada, a taxas difíceis de adaptar. “Não estamos necessariamente dizendo que tudo está perdido a 1,5°C, mas estamos dizendo que cada fração de grau realmente importa para as camadas de gelo – e quanto mais cedo conseguirmos deter o aquecimento, melhor, porque isso torna muito mais fácil retornar a níveis mais seguros no futuro.”
Em outras palavras, continua, “basta voltarmos ao início da década de 1990 para encontrar uma época em que as camadas de gelo pareciam muito mais saudáveis”. “As temperaturas globais estavam cerca de 1°C acima da temperatura pré-industrial naquela época e as concentrações de dióxido de carbono eram de 350 partes por milhão, o que outros sugeriram ser um limite muito mais seguro para o planeta Terra. As concentrações de dióxido de carbono estão atualmente em torno de 424 partes por milhão e continuam a aumentar.”
Projeções
Os cientistas combinaram evidências de períodos quentes anteriores, semelhantes ou ligeiramente mais quentes do que o atual, e medições da quantidade de gelo que está sendo perdida sob o nível atual de aquecimento. Também usaram projeções da massa derretida em diferentes níveis de aquecimento ao longo dos próximos séculos.
O coautor do estudo, Jonathan Bamber, Professor de Glaciologia e Observação da Terra na Universidade de Bristol, Reino Unido, vem medindo mudanças nas camadas de gelo há várias décadas. “A perda de massa da camada de gelo tem sido um grande alerta para toda a comunidade científica e política que trabalha com a elevação do nível do mar e seus impactos. Os modelos simplesmente não mostraram o tipo de resposta que testemunhamos nas observações das últimas três décadas”, disse, em nota.
Segundo Rob DeConto, professor da Universidade de Massachusetts Amherst, nos Estados Unidos, e coautor do estudo, mesmo que a Terra retorne à sua temperatura pré-industrial, ainda levará centenas, talvez milhares de anos, para que as camadas de gelo se recuperem. “Se muito gelo for perdido, partes dessas camadas podem não se recuperar até que a Terra entre na próxima era glacial. É por isso que é tão crucial limitar o aquecimento em primeiro lugar.”