
Danilo Gentili saiu em defesa de Léo Lins após o humorista ser condenado a oito anos e três meses de prisão em regime fechado. Além da pena, Lins também foi multado em um valor milionário por falas consideradas preconceituosas durante uma apresentação de stand-up.
"Piadas não fraudam o INSS. Piadas não estimulam golpes. Piadas não matam gente pobre de fome. Piadas não causam mortes em hospitais por desvio de verba da saúde. Piadas não geram intolerância, nem preconceito. Piadas são apenas piadas", declarou Gentili, em tom crítico à decisão judicial.
A condenação foi determinada pela 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Segundo a sentença, o conteúdo apresentado por Léo Lins promove a violência verbal e contribui para a disseminação de discursos odiosos, preconceituosos e discriminatórios na sociedade.
"O exercício da liberdade de expressão não é absoluto nem ilimitado, devendo se dar em um campo de tolerância e expondo-se às restrições que emergem da própria lei", ressaltou o texto. "No caso de confronto entre o preceito fundamental de liberdade de expressão e os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, devem prevalecer os últimos."
Veja as declarações do apresentador na íntegra
"Bom, para quem não sabe, a 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo condenou o comediante Leo Lins a oito anos e três meses de prisão em regime fechado. Também condenou esse mesmo comediante a uma multa de R$1,4 milhão, acrescida de R$300 mil de danos morais coletivos. Qual foi o crime do comediante Leo Lins? Contar piadas em um show de humor. Esse show foi posteriormente postado no YouTube e ao que tudo indica isso foi um crime. Em um país em que o INSS é usado para fraudar velhinhos à força, a Justiça puniu um comediante por contar piadas em um ambiente criado para isso soa uma piada de mau gosto.
Mas o Brasil é assim: é um lugar que o certo é duvidoso, o duvidoso é certo, e a decisão contra o Leo usa, entre outros fundamentos, dois argumentos que são, no mínimo, duvidosos. E duvidosos aqui no sentido de ser duvidoso mesmo. Um desses argumentos seria de que a liberdade de expressão não pode ser irrestrita. Oras, mas liberdade de expressão só pode ser irrestrita. Todos que expressam uma opinião -- seja no teatro, na poesia, na música, na ficção, no livro ou em forma de uma piada -- todos podem ser criticados, questionados e até acionados em processos civis. Agora, o que não pode em hipótese alguma é serem presos ou alvos de censura.
Piadas não fraudam o INSS. Piadas não estimulam golpes. Piadas não matam gente pobre de fome. Piadas não geram gente morrendo no hospital porque o dinheiro da saúde desviado. Piadas não geram intolerância, não geram preconceito. Piadas são apenas piadas. Agora, o outro argumento dúbio e fartamente reproduzido na imprensa é de que o humor não é um e-livre para cometer crimes. De fato, o humor não é um e-livre para cometer crimes, até porque o humor não comete crimes. O humor é baseado em fantasia, em ficção, em exagero, em jogos de palavras, em associações de quebra de expectativa, em preparações e desfechos.
Humor é uma forma de arte e de escrita como qualquer outra. Humor, como outras atividades artísticas, existe para brincar, provocar, fazer pensar, causar o alívio em quem está ouvindo, causar o riso, causar boas sensações. E como toda forma artística, a liberdade para se fazer humor, para se contar piadas, deve ser protegida. Na minha carreira, eu cansei de responder a pergunta 'qual é o limite do humor?' E é incrível que muitos artistas não notem a pegadinha por trás dessa questão. Porque a hora que oficialmente tiverem limitado o humor, como estão fazendo agora, a próxima pergunta vai ser: qual é o limite do funk? Qual é o limite da novela? Qual é o limite da poesia? Até onde uma música pode ir? Até onde uma ficção pode ir? É melhor o remake do Vale Tudo não ter a morte da Odete Roitman porque vai que queiram prender o ator ou atriz que matou ela por homicídio. É aqui que a gente está chegando.
Desde Aristófanes, na Grécia Antiga, a sociedade entende que comédia e ficção são uma coisa e que realidade é outra coisa. Agora, nos últimos tempos, algumas autoridades aram a tratar comédia e ficção como se fosse verdade. Isso não é progressismo, isso é regressão. Uma sociedade que não sabe a diferença entre ficção e realidade, entre piada e verdade, não é uma sociedade do futuro. É uma sociedade pré-tribal. E a comédia, a ficção e a arte existem como válvulas de escape para a gente poder rir e se distrair em um mundo que é muito duro, cruel e que a gente tem que engolir muitas mazelas de muitas autoridades. Pagar imposto, aguentar tudo quieto, e calar a boca. E a piada e a comédia vêm para dar alguma válvula de escape.
Se um músico não pode subir no palco par cantar a música dele para quem gosta da música dele algo está errado. Se um comediante não pode subir no palco para contar as piadas dele para o público que comprou o ingresso e quer ouvir aquelas piadas e gosta daquele tipo de piada, algo está muito errado. E se a gente como sociedade ar a aplaudir decisões que silenciam artistas -- independente da arte que eles expressam -- algo está muito errado e a gente está na beira do abismo.
Me chateia muito, mas não me surpreende ler por aí que Leo Lins foi condenado por ser preconceituoso e praticar crimes de ódio. Isso não condiz nem um pouco com a realidade de quem conhece o Leo Lins e me revolta saber isso porque eu conheço ele, é um dos caras mais gentis e corretos que existe. E vou dizer uma coisa: essa condenação do Leo Lins é um tiro no pé de quem tenta limitar a comédia. Porque ela foi demasiadamente exagerada, ou de todos os limites. Hoje é o comediante Leo Lins que está sendo condenado à prisão, que está sendo condenado à multa milionária. E gente corrupta condenada não teve a mesma condenação que ele. Hoje é o Leo Lins. Amanhã vai ser o seu portal, jornalista. Vai ser o seu portal, blogueiro. Vai ser o seu vídeo de YouTube. Amanhã o que você diz hoje pode ser considerado um pensamento antidemocrático.
Pensamentos autocráticos não são exclusivos da esquerda ou da direita. Eles podem pertencer a alguém que não gosta de você. Simplesmente alguém que não gosta de você e tem poder para acabar com você. Aí seus direitos vão para o saco -- independente do que você acha ou deixa de achar. O Brasil precisa parar de brigar com a ficção e com a arte e se ater aos problemas de verdade. Os nossos problemas não são piadas, são idosos fraudados no INSS. São gestores públicos que roubam muito, são forças de segurança que praticam abuso de poder, são leis que não colocam medo em quem pratica crime. Intolerância é receber um tiro na cara por causa de um celular, crime de ódio é bater em mulher por causa de uma aliança [...]".