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Versátil na arte, Silvero Pereira declara ter "inquietude por surpreender"

Dos personagens queer aos assassinos sanguinários, Silvero Pereira faz do palco seu altar e da tela uma trincheira. "Não é que eu não goste, mas eu enjoo fácil se não houver surpresas" é a frase que define o artista geminiano de 42 anos

Silvero Pereira, artista -  (crédito: Igor de Melo/Divulgação)
Silvero Pereira, artista - (crédito: Igor de Melo/Divulgação)

Por trás dos olhos vivos de Silvero Pereira há um artista que carrega o Brasil em camadas — de cangaço e travestilidade, de musicalidade e luta, de potência e ternura. Aos 42 anos, o cearense de Mombaça que encontrou morada em Recife (PE) se reinventa mais uma vez nas telas da TV Globo, desta vez como Érico, um pai e performer drag na novela de época Garota do momento. "Acho fundamental que a história da comunidade queer seja retratada, principalmente, em uma novela como comprovação da nossa existência desde sempre", declarou ao Correio.

A arte de Silvero nunca foi apenas papel; é extensão do seu corpo, grito do seu tempo, matéria política e poética ao mesmo tempo. Ele chegou ao teatro como quem descobre a própria pele: aos 17 anos, ao entrar na então Escola Técnica Federal do Ceará, foi tocado pela faísca da cena amadora e nunca mais saiu de cima do palco. De lá, fundou coletivos, encenou monólogos, escreveu peças e desafiou normas. Com o projeto As travestidas, plantou um teatro queer no semiárido e o fez florescer pelo país. O espetáculo BR-Trans, em que assina texto e protagonismo como a personagem Gisele, é uma dessas flores: espinhosa, bela e necessária.

Seu nome começou a ecoar nacionalmente em 2017, quando, após vê-lo em cena, a autora Glória Perez o convidou para viver Nonato — um motorista que se a por heterossexual de dia e atua como drag queen à noite — em A força do querer. De lá para cá, Silvero transformou-se em um dos rostos mais inventivos da dramaturgia brasileira — e, mais do que isso, em uma voz.

Lunga, o guerreiro queer de Bacurau, é hoje uma figura mítica da cinematografia brasileira — onde ele estreou em 2013 interpretando Severino no drama Serra Pelada. Um símbolo, como ele mesmo diz, de "respeito conquistado". "Bacurau é um grande marco na minha história no cinema. Lunga fez meu trabalho como ator conquistar muitos espaços e muito respeito. Cresci muito profissionalmente com esse personagem", destacou Silvero. O filme de 2019, de Kleber Mendonça Filho, conquistou o prêmio do júri do Festival de Cannes.

No ano ado, o artista geminiano atravessou todos os estereótipos ao dar vida ao emblemático serial killer Francisco de Assis Pereira no filme O Maníaco do Parque. Para a cinebiografia de Maurício Eça sobre o motoboy e patinador que assassinava mulheres, o ator conta que o processo criativo foi longo e difícil, mas também a parte mais deliciosa de fazer. "Foram dois meses de muito estudo e ensaio na preparação e aulas extras de patinação, prosódia e partituras corporais. Quando chegou o momento de gravar, eu me sentia pronto para a cena graças a isso. O preparo minucioso de um personagem é sempre uma das coisas que mais amo", relatou.

"Não é que eu não goste"

Mas Silvero não se acomoda nos ícones que cria. "Não é que eu não goste, mas eu enjoo fácil se não houver surpresas"  — e a frase que usa para se definir parece uma chave para entender sua jornada. Nos últimos anos, foi do suspense cômico da Netflix (Nada suspeitos) à candura do peão Zaquieu no remake de Pantanal, e do glamour grotesco de drag queens em De repente drag à vitória no The Masked Singer Brasil, quando cantou escondido sob o disfarce do Bode.

Cantor, sim. Silvero se confessa um apaixonado tardio pela música. "Desde pequeno, meu pai me incentivava a ouvir música de qualidade com grandes cantores brasileiros. Esse desejo de me envolver com a música sempre foi latente, mas só nos últimos seis anos resolvi me dedicar a estudar mais sobre canto e realizar projetos musicais", conta ele, que, no momento, ensaia uma homenagem a Ney Matogrosso — outro corpo híbrido, também guerreiro, também feito de arte e resistência. Mas ele já cantou Belchior. "O público que consome música é muito diferente do público de teatro, e isso me causa uma construção de um outro Silvero cênico, ou seja, uma nova postura como artista que canta e usa da interpretação teatral para se expressar na música."

Silvero reflete sobre estar em sua terceira novela, no terceiro papel LGBTQIAPN+. "A televisão não é um espaço de muitas apostas, de correr riscos nas atuações. Então, colocar os artistas em determinados personagens é comum na teledramaturgia. Já o cinema tem mais tempo e desejo de experimentar, de se aventurar", revela o ator, que ite o anseio por brincar com o inesperado: sonha em interpretar um vilão caricato de novela, como Vlad, de Vamp, ou compor um núcleo cômico. Porque Silvero também quer se surpreender.

Ainda assim, seu compromisso com a denúncia não cessa. Em seu novo monólogo, Pequeno monstro, que retorna em cartaz no Teatro Sesi Firjan Centro, no Rio de Janeiro, volta os olhos à infância queer, aos traumas e às violências que marcam corpos desde cedo, através de relatos reais colhidos em diferentes países. Uma dramaturgia urgente, feita para abrir os olhos da sociedade — e também para exorcizar, com arte, as dores que doem desde antes do palco. "O espetáculo traz questões sobre violências LGBTQIAPN+ na infância através de relatos reais de diferentes regiões do país e do mundo, numa tentativa de denunciar e abrir os olhos da sociedade sobre essa questão."

Leveza e estratégia

Nem mesmo a hipertensão, descoberta recentemente, conseguiu desacelerá-lo. "Mudou minha maneira de cuidar do meu corpo, ficar atento aos sinais e me cuidar mais. Hoje tenho acompanhamento nutricional e faço exercícios diários para garantir uma saúde melhor, tomo o medicamento necessário e sigo a vida normalmente", explicou. E acrescentou: "Viver com hipertensão não é um bicho de sete cabeças quando se cuida corretamente da saúde".

Silvero habita o presente com leveza, mas também com estratégia. Tem consciência do lugar que ocupa — e da necessidade de ocupar cada vez mais. Érico, seu personagem atual, é reflexo disso: uma drag dos anos 1950, um pai amoroso que também é uma presença queer onde antes só havia silenciamento. Não se está inventando uma história no intuito de gerar polêmica ou discurso. O que se está fazendo é informar que sempre estivemos presentes na história", defendeu.

E com ele, de fato, muita gente se vê, se ouve, se reconhece. "Tenho sido abordado com muito carinho e por várias gerações. Isso tem acontecido na academia, no supermercado, na praia, nas redes sociais... Fico muito feliz, pois comprova que o personagem ou o coração do público. Fora que é maravilhoso ver os jovens, especialmente, com tanto interesse em uma novela como essa", contou.

No fim das contas, Silvero Pereira é esse corpo múltiplo em trânsito entre a voz e o gesto, entre a dor e a celebração. Um artista que faz do palco altar, da tela trincheira e da arte, um susto bom. Porque se ele não se surpreende, enjoa. Mas quem o vê em cena, quase sempre, fica encantado.

  • Silvero Pereira
    Silvero Pereira Divulgação/TV Globo/João Miguel Júnior
  • O artista em apresentação musical, como Nonato em A força do querer, como o famoso serial killer no filme Maníaco do Parque e como Érico em  Garota do momento
    O artista em apresentação musical, como Nonato em A força do querer, como o famoso serial killer no filme Maníaco do Parque e como Érico em Garota do momento Globo/Divulgação
  • Silvero Pereira, artista
    Silvero Pereira, artista Igor de Melo/Divulgação
  • Silvero Pereira interpreta Francisco de Assis Pereira, conhecido como maníaco do parque
    Silvero Pereira interpreta Francisco de Assis Pereira, conhecido como maníaco do parque Marcio Nunes/ Divulgação
  • Silvero Pereira
    Silvero Pereira John Ramatis/Divulgação

 


postado em 18/05/2025 06:00
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