CRÔNICA

Artificial, sim, mas nem tão inteligente

'Atire a primeira tecla quem nunca mandou mensagem sem perceber que seu texto havia sido adulterado pela IA'

cronica div mais 1104 -  (crédito: kleber sales)
cronica div mais 1104 - (crédito: kleber sales)

_ Quem é Agnes, Fernando??

_ Agnes? Que Agnes? Não conheço nenhuma Agnes!

_ Ah, é? E essa mensagem que você me mandou, começando com "Agnes"?

_ Mensagem? Agnes?? Ah, Aahnnn!!!

_ Que aanhh o que, Fernando? Ficou sem palavras agora?

_ Não, Mirtes. Era "Aahn", que eu escrevi, olha o contexto; o corretor automático mudou para esse nome. Nem conheço alguma Agnes, já te disse.

_ Acha que sou boba? Não sei como funciona o algoritmo? Se o corretor escolheu o nome, você andou falando com alguma Agnes! Muito estranho, tudo Ivson!

_ Ah é, Mirtes? E esse Ivson, de onde saiu? Me explica quem é esse sujeito!!!!

É, amiguinhos, antes dos novos alertas às ameaças da Inteligência Artificial à paz e harmonia do mundo digital, a humanidade já estava obrigada a enfrentar outra besta indispensável e caprichosa, a Intromissão Aleatória. Você digita "mandar", pula involuntariamente uma letra; o corretor automático sequestra a escrita, decide que você queria dizer "mamar". E abre-se o inferno dos mal-entendidos.

Atire a primeira tecla quem nunca mandou mensagem sem perceber que seu texto havia sido adulterado pela IA. Algumas mudanças causam pouco dano, quando muito, alguma estranheza, como você avisar que vai catar alguma coisa em seu arquivo e o remetente da mensagem recebe a informação de que você vai cantar.

Às vezes, porém, o risco é grande. Como um amigo, quando criticava as barbaridades do presidente americano e sua ameaça de fazer a economia mundial voltar ao mundo protecionista do século 19: queria escrever num grupo de economistas o adjetivo "valentão", e saiu um bizarro "vá ele negão", tirado sabe-se lá de onde por um corretor voluntarioso trabalhado em tretas da Internet.

A verdade é que o corretor apenas traz para o tempo real um problema secular, que acompanha a imprensa escrita desde o tempo em que só se lia jornal impresso, e o papel já lido servia para embrulhar peixe. Antes era até pior; hoje a maioria das opções de comunicação na Internet traz providenciais ferramentas de edição para corrigir equívocos descobertos a tempo. E, mal ou bem, a experiência nos ensina a dar o benefício da dúvida; uma mensagem nos chamando de "patife" talvez seja apenas um pedido de "paciência" adulterado pelo corretor, vai saber.

A intromissão dos algoritmos não se limita, porém, às palavras. Ela direciona publicidade e constrange os internautas. Vá explicar que aquela sucessão de anúncios de fraldas geriátricas em sua tela se deve ao maldito marqueteiro que achou boa ideia dirigir a propaganda a todos os usuários de rede social com mais de 60 anos. E que aquele anúncio de um barzinho privado, com fotos berrantes de gente sensualizando em trajes mínimos, lhe apareceu só porque você caiu na bobagem de pesquisar sugestões de bares descolados na Asa Norte.

É torcer para que a Inteligência Artificial ganhe também juízo e responsabilidade. Enquanto isso, aos habitantes desse mundo eletrônico recomenda-se treinar o mínimo óbvio para sobreviver sem sustos no mundo digital: procure mais cautela, atenção e treino, ao... digitar...

 


postado em 11/04/2025 09:19
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