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Ser pioneiro em Brasília

Não deveria ser considerado como tal quem chegou e se beneficiou do trabalho feito por milhares de pessoas. Deveria ser estabelecido um critério para classificar as pessoas realmente pioneiras.

"Pioneiros (precursores) foram os adultos que tomaram a decisão de vir ajudar a construir a nova capital" - (crédito: Mario Fontenelle/Arquivo Público do Distrito Federal)

RENATO BAUMANN, Economista

No próximo mês de abril, serão comemorados os 65 anos da inauguração formal de Brasília como capital do país. Com certeza veremos manifestações de diversos tipos, com festas populares, pessoas contando suas experiências, homenagens a personalidades da cidade, enfim, todo esse tipo de coisas que acontecem nessas oportunidades.

Certamente, serão homenageados diversos pioneiros. Ao longo dos anos, temos visto 'pioneiros' de diversos tipos alardeando os sacrifícios da vinda prematura para cá. A questão central é: quem pode se considerar pioneiro nesta cidade?

Eu cheguei aqui em 29 de julho de 1958, vindo de Copacabana, com minha família. Meu pai era médico e veio instalar o serviço de saúde do então IAPB, Instituto responsável pela construção das superquadras 108 e 109 Sul.

A construção de Brasília, no seu início, ficou a cargo de diversos Institutos de Aposentadoria e Pensão (os anteados longínquos do atual INSS) de várias categorias funcionais. As superquadras 100 e 300 da Asa Sul foram construídas com recursos dos então IAPB, Ipase, IAPC, Iapfesp, IAPI, Iaptec. Cada um deles se distinguia dos demais, entre outras coisas, pela cor dos veículos, e havia uma clara competição saudável para atingir o ritmo mais elevado de construção. Afinal de contas, a lei determinava que, se o prazo estabelecido para a inauguração não fosse cumprido, não haveria mudança da capital, com o que o esforço feito teria sido perdido. A cada edifício que atingia o sexto andar havia comemoração. Frequentemente, com a presença do presidente da República. A única construção de alvenaria era a igreja N.Sra. de Fátima, promessa da primeira dama. O resto era obra e pó.

Tendo respirado muita poeira e vivenciado o clima bastante especial de estímulo à construção acelerada, sempre me incomodou que alguns personagens que chegaram aqui, quando já havia bastante asfalto, iluminação noturna nas ruas, e que vieram para morar em apartamento, sejam considerados pioneiros e, assim, apresentem-se, enfatizando os dias de "sacrifício" da sua mudança. Esse pessoal que veio ganhando salário em dobro, para morar em apartamento, em diversos casos com móveis do então GTB, pode, quando muito, ressentir-se da falta de vida cultural em comparação com seus lugares de origem. Mas isso não é propriamente pioneirismo.

Segundo o dicionário Aurélio, pioneiro é precursor. Não deveria ser considerado como tal quem chegou e se beneficiou do trabalho feito por milhares de pessoas. Deveria ser estabelecido um critério para classificar as pessoas realmente pioneiras.

Minha sugestão é que sejam consideradas pioneiras aquelas pessoas que possam atestar que: 1) não vieram para Brasília morar em apartamentos ou nas casas geminadas da W3 Sul, simplesmente porque quando aqui chegaram nada disso existia; 2) durante anos, chamaram o Núcleo Bandeirante de Cidade Livre; 3) já moravam em Brasília no início de 1960 (porque nos dias que antecederam a inauguração houve enorme movimentação de gente vinda de vários lugares); 4) chegaram aqui antes da pavimentação dos Eixos Rodoviário e Monumental e aí experimentaram algumas dezenas de rodamoinhos; 5) presenciaram o efeito inesquecível da primeira iluminação dos eixos rodoviários; 6) durante anos, identificaram as Superquadras menos por sua numeração e mais pelo instituto responsável por sua construção (e a cor correspondente); 7) assistiram à cerimônia de inauguração, não apenas como um espetáculo plástico, mas como uma realização de seu trabalho de anos.

Crianças acompanham suas famílias. Vir para cá não foi, evidentemente decisão minha, mas em momento algum lamentei o fato. Pioneiros (precursores) foram os adultos que tomaram a decisão de vir ajudar a construir a nova capital. Quem não atende às condições acima não deveria ser considerado pioneiro. É apropriação indevida e oportunista. Parafraseando o Ancelmo Goes, nesses casos pioneiro é.... deixa para lá.

 


Correio Braziliense
postado em 05/03/2025 06:00
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