
MAX FELIPE VIANNA GASPARINI, editor da Revista Brasileira de Avaliação; MARTINA RILLO OTERO, gerente de Planejamento, Avaliação e Aprendizagem no Instituto Clima e Sociedade (ICS); e JACKSON DE TONI, diretor de Produção de Conhecimento da Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação (RBMA)
O ano de 2025 começou com um recorde: janeiro foi o mês mais quente já registrado, superando a marca de 18 meses consecutivos de aumento nas temperaturas. Ainda em 2024, o planeta vivenciou o ano mais quente dos últimos 175 anos, com um aumento histórico de 1,6°C na temperatura média global. Esse crescimento contínuo das temperaturas serve como um alerta para as mudanças climáticas e seus impactos na saúde das populações, exigindo a compreensão do problema e a formulação de ações à altura.
No Brasil, estima-se que mais de 6 milhões de pessoas enfrentaram pelo menos 150 dias de calor extremo em 2024, de acordo com levantamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Isso significa temperaturas que, muitas vezes, ultraaram os 40°C.
Se tomarmos a maior cidade do Brasil como exemplo, temos um quadro alarmante: São Paulo, que há 22 anos já registra poluição acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), vem batendo recordes de temperatura e aumento das ondas de calor, pelo menos desde 2010. Além disso, as mudanças observadas nos ciclos e no volume das chuvas indicam um aumento de 500 milímetros na última década na capital paulista, bem como sua duração média, o que tem relação direta com o aumento de episódios de enchentes com graves consequências para a população.
O quadro sanitário decorrente das mudanças climáticas se expressa nos indicadores de mortalidade de grandes cidades brasileiras, como é o caso do Rio de Janeiro, onde um estudo associou o calor extremo ao aumento da mortalidade. Analisando mais de 466 mil mortes naturais entre 2012 e 2024, identificou-se que a exposição a temperaturas acima de 40°C por quatro horas ou mais eleva em 50% a mortalidade por doenças como hipertensão, diabetes e insuficiência renal, principalmente entre idosos. As mudanças climáticas também têm colocado um contingente cada vez maior de populações em risco de doenças infecciosas potencialmente fatais, como a dengue, a malária e a vibriose.
No campo, a situação não é menos grave do que nas cidades. As mudanças climáticas têm provocado transformações profundas nas zonas rurais e florestais, exacerbando vulnerabilidades já existentes. No Brasil, estudos indicam que o aumento das temperaturas e a alteração dos regimes de chuvas afetam diretamente a agricultura familiar, principal fonte de produção de alimentos do país. Fatores como a irregularidade das chuvas têm levado à perda de safras e à diminuição da produtividade, colocando em risco a segurança alimentar e produzindo desequilíbrios nos preços e inflação. Além disso, o fenômeno da desertificação tem avançado, em especial na região do semiárido nordestino, reduzindo a capacidade de uso do solo para a agricultura.
- Leia mais: Don Carlo e os poderosos chefões
Don Carlo e os poderosos chefões
Esses eventos afetam especialmente a sobrevivência das comunidades tradicionais (povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, entre outros) que mantêm com seus territórios vínculo ancestral para produção de seus modos de viver. Nem as causas ou as consequências das mudanças climáticas se distribuem de maneira equânime na história e na sociedade. Países desenvolvidos historicamente foram os principais emissores de Gases de Efeito Estufa (GEE), enquanto países em desenvolvimento sofrem em especial as consequências das mudanças climáticas.
Essa relação entre as alterações no clima e seus impactos nos modos de vida tem sido cada vez mais compreendida a partir dos efeitos que produzem na saúde das populações. Tal compreensão nos alerta que não será possível formular projetos de desenvolvimento apartados das questões socioambientais que garantam as condições necessárias para a vida.
As mudanças climáticas podem ser vistas, sentidas e sistematizadas pela ciência, e, a essa altura, não é mais possível "dourar a pílula": um futuro em que possamos evitar o avanço desse cenário a por uma tomada de posição radical no presente. Dessa forma, é fundamental criar espaços para a circulação de experiências e soluções que interrompam, mitiguem e promovam a adaptação às mudanças climáticas, com aportes das áreas de planejamento, monitoramento e avaliação, enquanto ainda for possível.
Saiba Mais