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20% é pouco: a paridade de raça e gênero precisa ser pautada

Trocar a exigência de candidaturas femininas por uma reserva tão baixa no parlamento, como prevê proposta de reforma do Código Eleitoral, é jogar fora uma oportunidade real de transformação

PRI-2105-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2105-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Tainah Pereiracoordenadora política do Mulheres Negras Decidem; Helena Salvadorcoordenadora de Mobilização do Pacto pela Democracia

Por que as decisões dos Poderes apontam para um retrocesso mesmo quando há uma janela de oportunidade para mudar a história democrática do Brasil? Por que não tomar as referências que deram certo e aplicá-las no Brasil também? 

Essa é a pergunta que nos inquieta diante da possibilidade da Câmara apresentar um novo texto para o Código Eleitoral, proposta que poderia revolucionar a presença de mulheres na política e transformar a democracia. Mas o que se vê é a falta de vontade de mudança, especialmente de quem representa os partidos e conduz essa reforma. Os parlamentares responsáveis defendem, antes de tudo, os interesses partidários, profundamente marcados pela lógica de manter o poder concentrado nas mãos de poucos homens. 

No final do mês, está prevista a leitura, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, da proposta de reforma do Código Eleitoral (PLP 112/2021). Uma das mudanças centrais é a substituição da atual exigência de que os partidos apresentem 30% de candidaturas femininas por uma reserva de 20% das cadeiras nos parlamentos para mulheres. À primeira vista, essa alteração pode parecer um avanço — e, em alguns contextos locais, especialmente onde não há nenhuma mulher eleita, pode ter um impacto significativo. No entanto, é preciso atenção: essa troca de uma exigência pela outra é, na verdade, um retrocesso que mascara uma perda de oportunidade de avanço. Em 2025, reservar apenas 20% das cadeiras para mulheres é pouco para o Brasil. 

Sempre é importante relembrar o mantra: as mulheres são mais de 50% da população brasileira, mas não ocupam nem um terço das cadeiras no Congresso Nacional. E, entre elas, as mulheres negras — que são a maioria — têm uma representação ainda menor. A realidade hoje é a seguinte: o Senado tem 19,8% de mulheres, e a Câmara dos Deputados, 17,7%. Ou seja, mesmo sem a reserva de cadeiras, a nível nacional o Brasil já se aproxima dos 20%. Trocar a exigência de candidaturas femininas por uma reserva tão baixa é jogar fora uma oportunidade real de transformação. Se existe um momento certo para falar de paridade no Brasil, é agora. 

Países latino-americanos têm implementado leis para promover uma representação mais equitativa. A Argentina foi pioneira ao estabelecer, em 1991, uma lei que determinava que pelo menos 30% das candidaturas fossem ocupadas por mulheres. Essa medida evoluiu e em 2017 o país adotou a paridade de gênero nas listas eleitorais. Bolívia, Costa Rica, Equador, Peru e Panamá estabeleceram cotas de 50% para a participação feminina nas candidaturas. Honduras implementou uma cota de 40% em 2012, com o objetivo de alcançar a paridade ao longo do tempo. 

É notável que há um amplo entendimento na região de que a presença de mais mulheres nos parlamentos e em cargos executivos contribui para a formulação de políticas públicas mais inclusivas e sensíveis às questões de gênero, resultando em uma democracia mais sólida. Enquanto isso, no Brasil, alega-se que a regra atual dos 30% de candidaturas obrigatórias "não funciona", que só "atrapalha os partidos" e que a reserva de cadeiras (de menos de um terço delas) seria a "verdadeira revolução". Sustenta-se ainda que nenhum país teria avançado na paridade por meio de candidaturas, apenas com a reserva de cadeiras.

Convidamos-os a olhar com atenção para o exemplo do México e da "paridade em tudo". Foi a exigência de 50% de mulheres nas listas de votação, dentro dos partidos, que impulsionou mudanças estruturais. As resistências foram vencidas com leis firmes, fiscalização rigorosa e sanções reais. Com uma combinação poderosa entre candidaturas obrigatórias, reserva de cadeiras, financiamento e punições aos partidos que descumprissem a lei. A mesma combinação que está sendo ignorada pelos parlamentares brasileiros, que recentemente operaram uma campanha pela anistia aos partidos que não cumpriram com o financiamento das candidaturas de mulheres.

Nenhum instrumento isolado romperá barreiras estruturais que mantêm as mulheres afastadas do poder. O avanço real da representatividade exige coragem para pautar o debate e desafiar os partidos a assumirem esse compromisso. Mais uma vez, o Brasil negocia uma reforma política beneficiando os mesmos de sempre — partidos que resistem sistematicamente às mudanças. É lamentável constatar que, mesmo diante de uma oportunidade concreta de transformação, opte-se novamente pelo retrocesso.

 

Por Opinião
postado em 21/05/2025 06:00
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