ARTIGO

Por uma revolução na saúde sem prescindir de nossos princípios

A inteligência artificial tem potencial para revolucionar a saúde. Mas toda revolução que ignora a ética e a ciência, mais cedo ou tarde, cobra um preço alto

, -  (crédito: National Cancer Institute/ Unsplash)
, - (crédito: National Cancer Institute/ Unsplash)

Tazio Vannin — Médico infectologista do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), doutor em saúde pública pela Universidade de Londres; Julival Ribeiro — Médico Infectologista, coordenador do Núcleo deControle de Infecção do HBDF; Lívia Vanessa Ribeiro Gomes Pansera — Médica infectologista, presidente do CRM-DF

 

A quarta revolução industrial inicia-se impulsionada pela inteligência artificial (IA), pela análise de dados em larga escala e pela automação avançada. Essa nova era vem redesenhando a forma como produzimos, nos comunicamos e, cada vez mais, como cuidamos da saúde. Diagnósticos mais rápidos e precisos, terapias personalizadas, otimização de processos hospitalares, e a previsão de surtos com antecedência. Uma promessa tentadora de eficiência, precisão e vidas salvas. 

Entretanto, diante das sempre deslumbrantes promessas tecnológicas, surge uma pergunta urgente e necessária: como garantir que essas ferramentas, tão poderosas quanto pouco transparentes, realmente apresentam a eficácia prometida? E mais: que funcionam com segurança, ética e equidade?

Se em muitas áreas o objetivo das decisões é maximizar o lucro, na saúde, cada decisão carrega o peso da vida de um ser humano, com laços afetivos e papéis sociais. Por isso, a incorporação de tecnologias de IA precisa ser pautada, antes de qualquer entusiasmo, por princípios éticos e científicos.

Apesar dos inúmeros lançamentos de soluções baseadas em IA na saúde, a imensa maioria entra no mercado com evidências frágeis: sem estudos comprovando sua eficácia ou segurança, ausência de revisões independentes, sem demonstrar cumprir critérios mínimos para determinarem decisões clínicas. Não é raro encontrar algoritmos treinados em bases de dados limitadas, que funcionam bem em ambientes controlados, mas falham quando expostos à complexidade do mundo real — especialmente quando lidam com diferentes populações e dimensões de valor.

Se, em todo o mundo, agências reguladoras estabelecem que nenhum novo teste diagnóstico ou tratamento é aprovado sem estudos bem estruturados e revisados por pares, por que aceitaríamos menos de uma ferramenta de IA que influencia diagnósticos e decisões terapêuticas?

É preciso exigir que a IA na saúde siga, ao menos, os mesmos princípios da medicina baseada em evidências: estudos metodologicamente robustos, amostras representativas, reprodutibilidade dos resultados e avaliações independentes. O fascínio pela inovação e rapidez de resultados não pode obscurecer nossa responsabilidade com bem-estar social.

Essa exigência é ainda mais crucial, porque a IA generativa, ao contrário de uma tecnologia iva, aprende, se atualiza, se transforma. Um algoritmo aprovado hoje pode apresentar comportamentos diferentes amanhã. Isso impõe a necessidade de evidências e monitoramento contínuo, avaliando não apenas a performance técnica, mas também garantido a ética e a equidade na assistência aos pacientes ao longo do tempo. 

A promessa da IA na saúde não está completa sem um compromisso com a inclusão e ibilidade. É crucial que seus avanços beneficiem a todos, independentemente da localização geográfica ou condição socioeconômica.

A necessidade é imediata. O Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) precisam formular e publicar diretrizes para avaliação e aprovação de tecnologias baseadas em IA, em harmonia com as recomendações do Ethics and Governance of Artificial Intelligence for Health, da Organização Mundial da Saúde (OMS), e seguindo os os do National Institute for Health and Care Excellence (NICE),  no Reino Unido. Essas diretrizes devem ser construídas com os conselhos de ética profissional, que são responsáveis por zelar pela boa prática assistencial. Instituições de saúde devem adotar ferramentas que sigam essas diretrizes de maneira transparente. Num esforço de alfabetização digital em saúde, profissionais de saúde e pacientes precisam ser capacitados para questionar e interpretar o que essas tecnologias oferecem.

Sem essas medidas, a promessa da IA se converte em um terreno fértil para erros, vieses e danos silenciosos — justamente onde deveríamos encontrar segurança e precisão, correndo-se o risco de transformar pacientes em vítimas. 

A inteligência artificial tem potencial para revolucionar a saúde. Mas toda revolução que ignora a ética e a ciência, cedo ou tarde, cobra um preço alto. Se quisermos que essa revolução realmente floresça em benefício das pessoas e da sociedade, precisamos agir agora, com responsabilidade. É urgente prevenir para que a IA, tão cheia de promessas, não repita a velha tragédia das revoluções que, cegas pela pressa, acabam prescindindo de seus princípios. 

Por Opinião
postado em 01/06/2025 06:00
x