Nas Entrelinhas

Análise: agressão misógina e negacionista contra Marina é um vexame para o Senado

A aprovação do projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental no país, conhecido como PL da Devastação, é um "golpe de "morte" na legislação ambiental

PRI-2805-ENTRELINHAS -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2805-ENTRELINHAS - (crédito: Maurenilson Freire)

Casa de ex-governadores e ex-ministros de Estado, o Senado protagonizou, nesta terça-feira, um vexame político de repercussão internacional, às vésperas da realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), de 10 a 21 de dezembro, em Belém: a agressão misógina e negacionista à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante audiência na Comissão de Infraestrutura, que foi uma verdadeira arapuca política. A ministra foi desrespeitada por três parlamentares e, ofendida, abandonou a reunião. Presidente da Rede Solidariedade, Marina foi senadora da República de 1995 a 2011 e é deputada federal licenciada em função do cargo que exerce. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apoiou o gesto de Marina.

A reunião desandou quando Marina disse que se sentiu ofendida por falas do senador Omar Aziz (PSD-AM), que é ex-governador do Amazonas. Também questionou a condução da reunião pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), que presidia a sessão na comissão. Ele havia cortado o microfone da ministra várias vezes e ironizou as suas reclamações. Marina respondeu dizendo que não era uma mulher submissa.

Sentado ao lado da ministra, Marcos Rogério olhou para ela e disse: "Me respeite, ministra, se ponha no teu lugar". A declaração provocou novo tumulto. O senador disse que, na verdade, referia-se ao "lugar" de Marina como ministra de Estado. Os ânimos continuaram exaltados. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que era preciso separar a mulher da ministra porque, segundo ele, a "mulher merece respeito e a ministra, não". Em março, em evento no Amazonas, o parlamentar chegou a dizer que tinha "vontade de enforcá-la". Marina se levantou e saiu da reunião.

Na audiência, Marina falou a verdade: a aprovação do projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental no país, conhecido como PL da Devastação, é um "golpe de "morte" na legislação ambiental, que é considerada uma das melhores do mundo. A proposta estabelece um novo marco legal para atividades econômicas com potencial impacto ambiental e foi aprovada pelo Senado a toque de caixa.

Apesar do episódio, Marina não se deixou abater. Durante encontro com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), uma nova audiência para garantir transparência e participação ampla da sociedade civil, do setor produtivo, da comunidade científica e de órgãos federais. A ministra destacou ser preciso frear o avanço do novo relatório sobre licenciamento ambiental. "Estamos pedindo que haja o tempo necessário de democracia para discutir uma matéria que amputa décadas de construção do licenciamento ambiental brasileiro", afirmou Marina.

Liberou geral

O texto propõe a redução do papel de órgãos colegiados como o Ibama, o enfraquecimento da consulta a povos indígenas e a introdução do licenciamento por adesão, que retira a análise técnica de impactos indiretos relevantes. Marina também alertou para emendas de última hora que ampliaram os Poderes da Presidência da República para dispensar o licenciamento ambiental de empreendimentos considerados estratégicos. "O fato de algo ser estratégico para o governo não elimina os impactos ambientais. É o caso de estradas, hidrelétricas ou da exploração de petróleo. Não podemos simplificar ao ponto de ignorar tragédias como Brumadinho e Mariana", criticou.

As mudanças no licenciamento ambiental no Brasil refletem uma tensão entre a busca por maior eficiência na análise de empreendimentos e a necessidade de garantir a proteção ambiental. A Lei Geral do Licenciamento propõe a criação de uma lei nacional para unificar e simplificar procedimentos.

Seus pontos principais são: estabelecimento de tipos diferenciados de licenças: licença única, licença por adesão e compromisso (LAC) para atividades de menor impacto; isenção de licenciamento para determinadas atividades consideradas de baixo risco, como manutenção de estradas e pequenos empreendimentos; e a simplificação de prazos e exigências para evitar a judicialização.

A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) é um instrumento que permite que empreendimentos de baixo impacto ambiental declarem o cumprimento das exigências legais sem necessidade de análise prévia detalhada pelo órgão ambiental. Critério adotado em Minas Gerais e Santa Catarina, a proposta do PL 2.159/2021 busca expandir o procedimento nacionalmente. Apesar da desburocratização ser uma vantagem, a autodeclaração gera brechas para fraudes e impactos não mitigados.

O governo já vem adotando medidas para flexibilizar o licenciamento de obras de infraestrutura, como linhas de transmissão e rodovias, mas sofre pressões para facilitar a regularização de propriedades rurais no Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) e no Cadastro Ambiental Rural (CAR). As grandes empresas de mineração e energia também fazem um forte lobby para acelerar licenças, sob argumento de garantir segurança energética e desenvolvimento.

 

 

postado em 28/05/2025 03:55
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