INVESTIGAÇÃO

Após fiança de R$3 mil, mulheres que arrastaram menino autista pelos pés são soltas

Uma psicóloga e uma fisioterapeuta, de 26 e 36 anos, foram presas na quarta-feira (21/5) e liberadas em seguida

Duas mulheres foram presas após serem flagradas arrastando um menino autista pelos pés, no DF -  (crédito: Reprodução)
Duas mulheres foram presas após serem flagradas arrastando um menino autista pelos pés, no DF - (crédito: Reprodução)

A psicóloga e a fisioterapeuta presas por maus-tratos após serem flagradas arrastando uma criança autista pelos pés em uma clínica foram soltas, ainda na quarta-feira (21/5) após o pagamento de fiança no valor de R$3 mil.

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Conforme informado pela Polícia Civil, "como determina a lei, foi arbitrada fiança no valor de R$ 3 mil para cada uma das autuadas, que foi paga". As duas profissionais, de 26 e 36 anos, foram presas em flagrante pela Polícia Militar na quarta-feira e soltas no mesmo dia. 

 
 
 
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A mãe do menino, Heloisa Iara denunciou o caso para a polícia e divulgou as imagens nas redes sociais. Através dos stories, ela afirmou que o filho faz tratamento na clínica três vezes por semana e nesta quarta-feira (21/5), o menino fugiu do local. "Hoje o Pedro estava na terapia, que é um lugar para ele ser cuidado. Mais uma vez deixaram ele fugir e ele foi tratado igual bicho. O que fizeram é um absurdo", disse a mãe revoltada enquanto registrava ocorrência.

A mãe afirmou ainda que soube do caso de maus-tratos através de uma amiga, que também é mãe e faz acompanhamento com o filho no mesmo local. Ao ser avisada, ela foi até a clínica confrontar os responsáveis. "Chegando na clínica, o povo na maior cara lavada: 'queremos conversar sobre o que aconteceu'. Eu disse que eu não ia conversar com ninguém e só ia parar na polícia. [...] A diretora da clínica estava mais preocupada em saber quem tinha ado as imagens pra gente do que tratar do que tinha acontecido".

Heloisa destacou a decepção com o ocorrido e afirmou que uma das pessoas flagradas no vídeo é supervisora de um setor da clínica. "Isso é maus-tratos contra uma criança e, pior, contra uma pessoa com deficiência", afirmou.

A clínica Unica Kids emitiu nota informando que o caso é isolado e que medidas istrativas foram imediatamente adotadas. A direção afirma ainda que as envolvidas têm direito à ampla defesa e ao contraditório.  

 

Manifestação da clínica Unica Kids após caso de maus-tratos com menino autista
Manifestação da clínica Unica Kids após caso de maus-tratos com menino autista (foto: Unica Kids)

Após a repercussão do caso, a OAB-DF se manifestou e cobrou mais fiscalização para clínicas dessa natureza.

O Movimento Autistas Brasil também emitiu nota manifestante indignação com o caso. O grupo afirma que o caso escancara as falhas estruturais 

Veja nota da Autistas Brasil 

A Autistas Brasil manifesta indignação diante das imagens chocantes que mostram uma criança autista sendo arrastada por funcionários de uma clínica no Distrito Federal. Mais do que um caso isolado, esse episódio escancara as graves falhas estruturais de um modelo de intervenção que se apresenta como terapêutico, mas opera na lógica da obediência, do lucro e da violência institucional.

A Análise do Comportamento Aplicada (ABA), amplamente difundida como “terapia para autismo”, se sustenta em comandos, reforços e punições. Quando uma criança chora, resiste ou foge, sua reação não é escutada — é enquadrada como um “comportamento a ser corrigido”. A subjetividade autista é apagada em nome de metas externas. O que vimos no DF foi o reflexo direto dessa lógica: uma criança sendo levada à força de volta a um espaço que claramente a violentava.

Esse modelo não é orientado pelo cuidado, mas pela produtividade. Clínicas ABA lucram mais quanto mais horas uma criança permanece em “tratamento”, mesmo sem evidência robusta de eficácia. A Revisão Sistemática da Cochrane, referência global em saúde baseada em evidências, já apontou a baixa qualidade dos estudos sobre ABA, com sérios conflitos de interesse e ausência de dados sobre segurança. O próprio Ministério da Saúde, por meio de parecer técnico do Hospital Sírio-Libanês, destacou o baixo rigor científico e os riscos envolvidos nessa prática.

Não podemos permitir que métodos invasivos, de eficácia duvidosa, sejam aplicados sem fiscalização ou responsabilidade. É urgente regulamentar a ABA no Brasil e garantir que intervenções com crianças sejam feitas exclusivamente por profissionais qualificados, com formação técnica e ética — como exige a psicologia brasileira.

A alternativa existe e precisa ser fortalecida. Modelos como DIR FloorTime, Integração Sensorial e SCERTS priorizam a escuta, a regulação emocional e a comunicação, respeitando a singularidade da criança autista. Eles não tentam “corrigir” a neurodivergência, mas construir caminhos de desenvolvimento afetivo, relacional e humano.

A Autistas Brasil é hoje a única organização nacional que denuncia abertamente a violência institucional contra crianças autistas. Lutamos contra a medicalização da infância, a imposição de terapias sem escuta e o uso de práticas punitivas travestidas de cuidado.

Reafirmamos: terapia sem ética é violência. Ciência sem compromisso é oportunismo. O que aconteceu no DF é parte de um sistema que precisa ser urgentemente desmantelado. O silêncio diante disso é cumplicidade.

postado em 22/05/2025 12:09
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