Guilherme Vinhas — mestre em economia do direito pela Universidad Rey Juan Carlos, especialista em direito econômico pela FGV, autor do livro Fundamentos da transição energética
A exploração de petróleo e gás natural na Margem Equatorial, localizada entre os estados do Amapá e Rio Grande do Norte, vem causando embates ferozes que envolvem diferentes atores: ministros de Estado, governadores, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), as empresas produtoras de petróleo e as organizações ambientais.
A expectativa de um novo pré-sal, capaz de gerar riqueza numa região economicamente desfavorecida do Brasil e oferecer segurança energética para o país nas próximas décadas, é contraposta por ambientalistas que questionam os riscos de potenciais acidentes naquela área.
Em meio a essa polêmica, chama a atenção a ausência de debates sobre o destino dos potenciais royalties e participações especiais a serem pagos pelas empresas que venham a produzir petróleo e gás natural naquela região. Tais recursos podem representar uma gigantesca contribuição do setor de exploração de petróleo e gás natural para o desenvolvimento sustentável da região, se forem corretamente investidos.
Os valores são, potencialmente, significativos. Em 2024, por exemplo, foram pagos cerca de R$ 100 bilhões para a União, estados e municípios, segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP).
Idealmente, tais recursos financeiros devem ser utilizados em projetos estruturantes, que garantam a qualidade de vida dos cidadãos em um futuro no qual tais recursos não existirão. Isso porque o fluxo de recursos decorrentes do pagamento de royalties e participações especiais será reduzido de forma proporcional ao natural declínio da produção de petróleo e gás natural, até o momento em que a produção terminará e, com ela, o recebimento desses recursos.
O investimento em medidas de adaptação às mudanças climáticas que tornem as cidades mais resilientes e seguras, bem como investimentos em saúde, educação, segurança, habitação e meio ambiente, são bons exemplos do uso responsável dos royalties e participações especiais. A transição energética, que demanda a produção de energia renovável em larga escala, é também um justo destino dos recursos advindos da produção de combustíveis fósseis, gerando postos de trabalho e um futuro mais sustentável.
O estado do Espírito Santo e o município de Niterói (RJ) são exemplos a serem seguidos. Ambos criaram fundos soberanos com os royalties e participações especiais, de forma a promover o desenvolvimento regional por meio de investimentos estratégicos, proteger a economia local da volatilidade das receitas do petróleo e do gás natural, além de formar reservas para que as gerações futuras também possam ser beneficiadas por esses recursos. Tais fundos soberanos contam com regras claras e objetivas para a sua utilização, o que promove o seu uso racional.
O desafio reside no fato de que nem todos os entes federativos investem os recursos com racionalidade econômica. A autonomia financeira dos governadores e prefeitos dá margem a decisões populistas e eleitoreiras que em nada contribuem para o desenvolvimento sustentável. O pagamento de auxílios em dinheiro sem critérios técnicos, o transporte público gratuito, a realização de obras faraônicas, o inchaço da máquina pública e até mesmo investimentos absolutamente esdrúxulos — como a ideia de comprar o SAF do Vasco (Sociedade Anônima do Futebol), divulgada nas redes sociais de um prefeito vascaíno — são exemplos de um paternalismo arcaico, infelizmente corriqueiro na política brasileira. A falsa prosperidade não melhora a qualidade dos serviços prestados à população, não desenvolve a economia local e não reduz as desigualdades sociais.
A autonomia istrativa e financeira dos estados e municípios, prevista na Constituição Federal, impede que uma lei federal determine a destinação dos royalties e as participações especiais, podendo, quando muito, estabelecer diretrizes e mecanismos de estímulo ao investimento em temas como saúde e educação.
Mais grave do que um potencial desastre ambiental na Margem Equatorial, a 570 km da foz do Amazonas, o sistemático desperdício de recursos públicos em um país com tantas carências é uma tragédia real e silenciosa que vale, até mesmo, a revisão do texto constitucional. Estamos perdendo tempo com a discussão errada.
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